quarta-feira, 30 de abril de 2008

A Quebra.

O mundo está cheio de fraturas expostas, mas os olhos alheios parecem não querer enxergar.
Há alguns poucos. Há eu mesma.
Eu vejo essas fraturas. É delas que o mundo é feito.
Muros altos que, em fendas, se diferenciam um dos outros.
Fraturas que sangram, abertas, esperando que alguém as enxerguem.
Elas são feitas para serem vistas
seu sangue jorrante banhando o dia-a-dia inerte.
Todos nós somos um pouco de fratura.
Andamos nas ruas sob o sol expondo-as como um chamado à conversa, as perguntas.
Mas poucos são os que perguntam. Poucos realmente dizem.
E as fraturas passam despercebidas.
Alguns já se acostumaram a elas, sem saberem o quanto são necessárias.
Outros têm medo de olhá-las e sentir das suas a dor latejante.
E existem outros raros seres que as olham e retornam para suas cicatrizes.
Lembram do sangue que já se perdeu mas ainda é vivo
e bebem da seiva que o mundo lhes oferece.

Presta atenção. Olha bem. Reconheça essas fraturas, pelo menos as suas. Me digam para que elas te servem.
E se o fardo for pesado demais...Os cortes, estes são passageiros...O que fará, então, com as marcas?

Os Ombros Suportam o Mundo - Carlos Drummond de Andrade

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teu ombros suportam o mundoe ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.


Os versos acima foram publicados originalmente no livro "Sentimento do Mundo", Irmãos Pongetti - Rio de Janeiro, 1940.

sábado, 26 de abril de 2008

Quase Tudo Nessa Vida é Simples

Alguns chamam de Deus outros de sorte, mas o que eu sei é que tudo mudou.
A minha vida já mudou de sentido, mudou o caminho que eu ousava escolher.
As flores já não têm o mesmo perfume e o sol brilha muito mais
Aquilo tudo que eu achava pequeno se tornou forte.
Eu, que me achava pequena, me mostrei forte.
E vejo muito mais claro agora
cada palavra tem vida sozinha
a nossa mente é forte o bastante pra vencer a morte
parece mesmo brincadeira, mas é fácil sucumbir à dor.
Mas o que eu quero é de qualquer maneira aprender com as minhas memórias.
Isso ninguém pode tirar de mim, o futuro me aguarda de braços abertos.
Eu não ouso cantar vitória. Prefiro cantar belas canções, sonhadoras canções.
A vitória finda o sonho e eu não procuro resultados. Não caminho para um fim. Caminho para curtir a estrada, apreciar o vento e cada cor que o sol inventa.
Isto é o que eu tenho a falar
que o mundo nunca está igual
Ás vezes é preciso parar de correr para viver de verdade.
Isso eu posso provar.
Está na cara de quem quizer ver.
Está estampado no fundo dos meus olhos, é só prestar atenção.
Pode olhar, eu não vou desviar.
Eu não vou esconder nenhum gesto, nenhuma fotografia. Porque eu posso me orgulhar, mas não vou cantar vantagem.
Um passo e você não está mais no mesmo lugar1.
Isto é o que eu tenho a falar.
O mundo nunca está igual.
Ás vezes é preciso parar de correr para viver de verdade.



1: Chico Science.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Isso tem explicação.

Não sou mais uma vampira
nem me transformei numa estátua de sal
sigo em frente pelos meus proprios caminhos
tenho a mim, já não estou mais sozinha
o mundo ao meu redor me traz inspiração
eu olho pra trás, já não me faz mal
- lembranças, histórias, cicatrizes -
já não doem mais, me lembram que eu estou viva

Fórmulas mágicas, obras de arte
analise seus efeitos sobre você
meu discurso poético é insano
mas é o que melhor posso fazer
assonancias sutis que buscam o oculto
prometo crescer, talvez até enlouquecer
porém o que me salva é o meu passado
que me impede esquecer porque eu cheguei até aqui


As cores da cidade são tão belas
mas os outros enxergam tudo tão cinza
como delicioso rugido do tempo
como a raiva de amar ou um palhaço que grita
surge um vão de luz brilhante
- harmonia -
será que vc não consegue entender?


Os seus olhos me fazem seguir em frente
de mão dadas com o passado
rumando ao futuro novamente
ruas escuras industriais
não me amedronta andar pelas engrenagens
cíclicas paisagens
a liberdade traz a incerteza da verdade